sexta-feira, 15 de maio de 2015

Um bom dojo não é um lugar confortável

Continuando na reflexão descrita no artigo "Aikido, PNL, conflitos e o "Ganha-ganha""

O texto abaixo é uma tradução livre de um texto escrito por Peter Boylan e publicado em seu blog The Budo Bum. Para ler o texto original clique aqui.

O treino no sábado foi bom, mas não exatamente o que havia planejado. Começamos como previsto, trabalhando no kihon de jodo. No entanto, um pouco depois acabamos enveredando por um território perigoso. Começamos a analisar alguns princípios básicos. Um dos nossos alunos iniciantes tem alguma experiência prévia em aikido e kenpo e fez algumas perguntas muito boas relacionadas a ma'ai e intenção e origem. Claramente as respostas que ele obteve nem se aproximavam do que ele esperava, e nos quase pudemos ver uma fumacinha saindo de suas orelhas enquanto ele tentava processar as novas ideias. Ele terminou por se ver tendo que revisar coisas que ele achava já entender. Um bom dojo é um lugar perigoso para questões preconcebidas e conceitos muito arraigados. Ele pode ser bastante brutal para conceitos que não tenham sido construídos sobre uma base sólida. Um bom dojo pode fazer você se questionar quem e o que você é. Um bom dojo não ensina apenas técnicas de luta. Um bom dojo dever fazer você olhar para si mesmo e ajudá-lo a livrar-se de uma auto-ilusão e de compreensões simplórias.

De maneiras bastante sólidas, meu aluno está descobrindo que o que ele achava que sabia sobre o efetivo alcance das armas e onde ele estaria seguro não era tão exato. A maneira efetiva como ele está aprendendo isso é estando no lado errado de um pedaço de maneira cutucando ele no estômago ou parando quando já está quase acertando a sua cabeça.

Há diversas maneiras em que um dojo pode ser desconfortável que sejam menos "físicas" que uma vara nas suas entranhas, mas elas não são menos verdadeiras.  Todos temos áreas em que somos menos do que perfeitos, e treinar em um bom dojo nos fará atentar para elas. Budo é essencialmente sobre lidar com um conflito. O que ninguém me disse quando eu comecei foi que os conflitos mais difíceis seriam internos.

Todo mundo começa no budo por uma grande variedade de objetivos; aprende a lutar, parar de ser intimidado por pessoas agressivas, aprender sobre samurais, ganhar um senso de poder pessoal, aprender a se defender. Essas apenas algumas das razões que ouvi das pessoas que começaram nas artes marciais. Todas são boas razões para começar na jornada. Só que a jornada envolve lidarmos com muitas partes nossas que nós nunca tivemos a intenção de lidar e ir a lugares em nossa mente que nunca pensamos que iríamos.

Muita gente começa no budo sem estarem confortáveis com a questão de bater em uma pessoa ou fazer qualquer coisa que eles achem que possa ferir alguém ou que possa ser agressivo. Isso é um problema para pessoas que querem aprender a se defender. Esse é um problema geralmente aparente para as pessoas antes mesmo de entrarem em um dojo, então é algo que elas realmente querem confrontar. Treinar todos os dias os faz ficar cara-a-cara com essa questão. Mais importante, os leva a ficar em contato com alguém mais experiente ou um professor que os está dizendo "me bate" ou "me projete" ou alguma outra versão de ataque, mas todos nós crescemos sabendo que pessoas boas não batem em outros.

Quando um iniciante diz "Eu não quero te machucar", ele está admitindo diversas coisas. Primeiro, que ele crê que pode machucar pessoas. Segundo, que ele não confia que tenha controle o bastante para não machucar alguém, e, terceiro, e que em algum nível ele acha que o professor não seja capaz de lidar com o que ele esteja fazendo.Todas essas três coisas fazem a maioria das pessoas ficarem desconfortáveis.

A sociedade não aprova que as pessoas sejam machucadas e nós crescemos internalizando isso. Vir a um dojo é desconfortável inicialmente por que estudar budo envolve aprender a machucar as pessoas e tudo em nossa cultura diz que isso é "mau". Então a primeira coisa desconfortável que temos que superar é a ideia de que saber lutar não é uma coisa "boa" das pessoas aprenderem. Eu tenho consciência que estou pregando para o coro aqui, já que suspeito que todos que estejam lendo esse artigo já treinam alguma arte marcial. Mas pense nisso fora do dojo. As pessoas tem medo de quem tem habilidades de luta, mesmo que as pessoas no seu trabalho nunca tenham visto você fazer nada além de destruir documentos velhos. Esta é apenas a primeira coisa que as pessoas devem se acostumar(N.T. o autor se refere às pessoas que querem estudar budo).

No judo e no aikido, o próximo temor que as pessoas devem superar é o medo de cair. Nós passamos metade do nosso treino usando nosso parceiro para praticar as técnicas e na outra metade sendo usados por ele, o que envolve cair muitas vezes. cair é algo que aprendemos a evitar desde crianças, por que machuca e é embaraçoso para nós. Pode levar um tempo até ficarmos confortáveis com as quedas. É o oposto do que as pessoas estão acostumadas, mas eu gosto muito de cair. Você pode sentir a técnica, como o seu parceiro se move e prepara a projeção e como ele toma cuidado ou não toma cuidado com o parceiro. Francamente, eu também acho muito legal que alguém possa me jogar forte o bastante contra o chão a ponto de poder quebrar algum osso e eu consiga levantar e dizer "Foi muito bom! Faz de novo!". Uma vez que você supere o medo de se machucar, cair é divertido.

O maior desconforto para muitas pessoas é o medo de eles realmente machucarem alguém. Eles não confiam que sejam capazes de não machucar seu parceiro e muitas pessoas não se sentem confortáveis em ter poder físico. Podemos desconsiderar o fato de que muitos iniciantes não tem habilidade o bastante para representarem algum tipo de ameaça para quem já treina há algum tempo, Novos alunos devem superar o sentimento que apenas tendo o conhecimento de como machucar pessoas, muito menos tendo habilidade para isso, seja algo ruim.

Adicione a isso aquela vozinha lá no fundo da mente de muitas pessoas que elas não devem confiar em si mesmas tendo aquela habilidade ou conhecimento. "E se eu ficar nervoso e acabar fazendo alguma coisa que me arrependa?", "E se eu não for bom o bastante para controlar minha técnica e machucar alguém sem querer?", "E se eu realmente curtir o fato de ser poderoso e me tornar um valentão?". As pessoas tem todos os tipos de preocupação, alguns deles podem até parecer bobos. Até que você já esteja pelo dojo tempo o bastante para ver pessoas fazendo as piores coisas. Aí você saberá que as preocupações não são tão bobas.

Não confiar que o professor seja capaz de lidar com o que o aluno faz é um obstáculo bem mais fácil de ultrapassar do que a falta de auto-confiança. Depois de algumas vezes com o professor dizendo "me bate', o aluno finalmente decide que é isso que ele realmente quer(o professor) e que isso é problema dele (do professor) se você o machucar. O aluno tenta acertar o professor e descobre que o professor não está aonde ele bateu. Pior, ou melhor, o professor contra atacou que seria bem desagradável se o professor não tivesse um controle tão bom. Não precisa repetir  muitas vezes isso para que o aluno comece a confiar que o professor é capaz de fazer aquilo que ele diz e que irá mantê-los seguros.

Aprender a confiar em si mesmo é muito  mais difícil. Nós não temos muita experiência em conflitos físicos e violência na sociedade ocidental(o Japão é ainda mais pacífico). A maioria dos alunos nunca mais esteve sequer em uma queda de braço desde o colegial, muito menos tiveram que brigar. Antes de eles começarem a treinar, eles estão conscientes que podem machucar outros, mas eles não tem nenhuma técnica, então eles pouca ideia do que pode acontecer se fizerem alguma coisa. Iniciantes, o que é bastante razoável, não confiam em si. Eles não tem nenhuma habilidade técnica e não tem muito controle sobre o se próprio corpo, então não terem confiança na sua capacidade de atacar alguém ou de aplicarem uma técnica sem que machuquem seus parceiros de treino, é possivelmente bastante sábio. 

Leva tempo para aprendermos a confiarmos em nós mesmos e entender do que somos capazes. A jornada para realmente confiarmos em nós mesmo é complicada, Os primeiros passos são aprender a confiar em sua técnica básica, que você pode cair de forma segura, ou arremessar seu parceiro ou atacar com precisão e controle. Uma vez que os alunos comecem a ter uma certa confiança em suas habilidades técnicas, eles esbarram questões desconfortáveis. Eu tenho auto-controle o bastante para isso? Posso perder a cabeça e acabar machucando alguém? Raramente me deparei com alunos que tivessem o auto-controle e a disciplina para continuarem treinando, mas faltasse auto-controle para usarem o que sabem apenas com um ótimo motivo. Esses alunos se preocuparem com isso é um bom sinal para mim, mas isso requer uma auto-reflexão e consideração que nunca é fácil e geralmente é desconfortável.

É duro considerar que talvez não sejamos seres humanos tão perfeitos. Isso faz a auto-reflexão uma das coisas mais desconfortáveis no treino. A medida que um aluno adquire habilidade, não é incomum para eles imaginarem que tipos de pessoas sabem essas coisas. Eu acho isso especialmente verdadeiro para as mulheres, "Meninas boazinhas não se comportam dessa forma". "Bater em pessoas não é coisa de mulher". "Uma lady está acima dessas coisas". Inclua nisso estereótipos com os quais as mulheres não podem lutar contra("Ele bate feito uma menina"), e os obstáculos mentais e emocionais rapidamente crescem. Tenho que agradecer a Ronda Rousey por demonstrar ao mundo que, sim, as mulheres podem lutar, Cada mulher que vem ao dojo, no entanto, deve fazer essa jornada mental.

Todo mundo deve decidir que é o tipo de pessoa que sabe lutar. Isto geralmente não é um problema para os homens, mas muito do que é ensinado em um dojo de artes marciais não é lutar. É o cuidado, quase uma ciência de como desconstruir uma outra pessoa. Que tipo de pessoas sabe essas coisas? Um monstro? Até que os alunos se sintam confortáveis em saber como deslocar uma articulação e quebrar membros, como sufocar alguém até que ele apague ou arremessar alguém através do salão de forma muito forte, eles ficarão desconfortáveis.

Os alunos devem olhar para dentro e perceber quem eles são, que tipo de pessoas eles são e decidirem que não há problema em saberem como fazer esse tipo de coisas violentas. Eles devem decidir que é ok eles terem este tipo de poder. É fácil dizer "Não é desafio nenhum isso" quando você olha de fora. Todos temos facetas que não gostamos, traços de personalidade e características que não temos orgulho, e talvez até disso tenhamos vergonha. Essas partes de nós também irão adquirir esses conhecimentos e habilidades.

Estas são apenas algumas questões que as pessoas devem superar ao iniciar em uma arte marcial. Obstáculos serão mais altos ou mais baixos de acordo com a pessoa. E há as questões pessoais que as pessoas podem trazer com elas. Se alguém sofreu algum abuso ou trauma, só ao pegar a mão do parceiro para treinar uma torção pode ser difícil. Permitir que o parceiro as arremesse pode ser um pulo de confiança, fé e coragem maior que ela já tenha tido que dar.

Estar no dojo pode não ser confortável, mas é bom. Um bom dojo dá ao aluno um lugar para trabalhar todas essas questões. Bons professores dão aos alunos o suporte para as atravessarem. Conheci pessoas que diziam que é necessário "apertar os botões das pessoas" para ajudá-las a crescer. Eu descobri que apenas estando no dojo treinado ativamente é geralmente mais do que o necessário. O que fazemos no dojo é jogar com a violência, agressão e força. Coisa que não é permitida em um sociedade educada. Apenas trabalhando com essas coisas, aprendendo a controlar e como aplicá-las irá fazer as pessoas encararem partes delas as quais elas evitam no seu dia-a-dia.

Algumas vezes o stress do treino expõe pedaços nossos que não gostamos de ver. Talvez estejamos prontos demais para ficarmos nervosos com a outra pessoa quando somos machucados sem querer durante a prática. Talvez a gente descubra que não é tão bom sob a pressão de um ataque firme, contínuo e que começamos a entrar em pânico. Pode ser a descoberta de que não suportamos perder, mesmo que perder em um randori não seja realmente perder. Estas são apenas algumas questões que podem surgir em um dojo.

Trabalhar com essas coisas pode tornar o dojo um lugar desconfortável, mas um ótimo lugar para aprender não somente como lutar ou infligir dor, mas também que tipo de pessoa você é. Olharmos para nós mesmo de forma clara é quase sempre desconfortável, mas estar no dojo demanda isso. Que olhemos para nós repetidamente a medida que progredimos. Talvez seja simplesmente descobrindo que não sabemos coisas que achávamos que tínhamos entendido. Tudo isso envolve descobrir que não somos tão bons quanto achávamos que éramos.

É para isso que o dojo existe. Você  não será um bom lutador se não conhecer suas fraquezas, então um bom dojo o ajuda a lidar com as suas questões e fraquezas que você encontrará. Um bom dojo é um pouco desconfortável por que ele te dá um espelho para você olhar para dentro de si. Um bom dojo é maravilhoso por que ele te dá o suporte e estrutura para lidar com o que você verá nesse espelho.

(C)Peter Boylan - Todos os direitos reservados
Isso quer dizer que você não deve usar o texto sem autorização do autor Peter Boylan

sexta-feira, 8 de maio de 2015

Aikido, PNL, conflitos e o "Ganha-ganha"

Muito escuto e leio artigos sobre a resolução de conflitos e o aikido. Em todos que tive acesso percebi uma falha básica sob o meu ponto vista: a premissa principal do aikido não é resolver conflitos, mas evitá-los.

O aikido me ensina, além de conceitos, a termos uma postura e uma atitude adequada durante as 24 horas do dia. Por postura podemos entender no aspecto físico, aonde a força aplicada sobre os músculos e os ossos sustentam e conduzem nossos corpos com máxima eficiência e com um mínimo de esforço. Uma boa postura te permite se manter parado ou em movimento com bom equilíbrio e bem centrado. Atitude deve ser considerada como a “maneira de se comportar, agir ou reagir motivada por uma disposição interna ou por uma circunstância determinada”(Dicionário online de português – http://www.dicio.com.br/atitude/). Atitude está ligada a um aspecto mental, interno, não físico. Atingindo o estado ideal dessas duas coisas conseguiremos trasmitir tamanha segurança que ninguém conseguirá uma "abertura" para nos atacar, física ou verbalmente. Bom, mas com muita frequência falhamos nisto, e aí? Aí sim entram as técnicas e os conceitos que praticamos. Quando o conflito é inevitável devemos usas as habilidades desenvolvidas e treinadas para solucioná-lo, preferencialmente da melhor forma para você e que não seja tão ruim para o outro.

Desde o meu primeiro contato com o PNL(somente como curioso) percebo sempre uma forte associação com o aikido. Realmente podemos traçar alguns paralelos entre as duas coisas, mas pelo menos em uma delas não vejo como. Não acho que seja possível aplicar no aikido(ou em qualquer outra arte marcial) o conceito de “Ganha-ganha”, aonde, obviamente, ambos sairiam ganhando em um conflito. A razão, para mim, é simples: no aikido precisamos desequilibrar o oponente para que possamos tomar o controle da situação. Em assim sendo nos impomos sobre a vontade dele. Com isso nós necessariamente ganhamos e ele perdeu. Ainda que o resultado seja positivo, aonde o perdedor percebeu que seu ponto de vista ou que seu ataque era inadequado, e com isso tenha aprendido e ganho uma boa experiência, ainda assim ele perdeu. Claro que o oposto pode ser dito utilizando-se o mesmo argumento, mas o que quero demonstrar, no contexto de “Ganha-ganha”, que isso não acontece.

Aikido é o estudo do aiki. Aiki é o equilíbrio das energias liberadas em um conflito, por exemplo. Mas é um equilíbrio que nos permita conduzir a energia negativa do ataque e transformá-la em positiva principalmente a nosso favor. 

Posso estar errado ou perdendo algum ponto importante nesse raciocínio, portanto, caso você tenha alguma colaboração, por favor não hesite em comentar aí embaixo.

Abraços e bons treinos.

Isoyama sensei(Foto: http://www.aikidosangenkai.org/)